Hoje acordámos todos com mais uma notícia estonteante nesta montanha-russa em que anda o nosso mundo. O Reino Unido escolheu deixar a União Europeia.

O Brexit ganhou, mas essa vitória não é a vitória de um qualquer sentido de independência face às instituições comunitárias, de um reforço do seu poder comercial directo com os parceiros económicos, mas sim a vitória da ignorância, do medo, da xenofobia, da narrowmindedness, para falar em bom inglês. Eles sabem bem o que isso quer dizer, mesmo que não o saibam ver.

O Reino Unido votou cavar o fosso entre si e a Europa (o Mundo, esses malandros que ameçam o seu modo de vida), e imediatamente começou a gritaria dos partidos de extrema direita e independentistas europeus para ir pelo mesmo caminho, fazer os seus referendos, tomar as suas decisões, explorando o medo e ignorância das pessoas e o seu imenso poder - o do seu voto, o da sua palavra. Pessoas não muito diferentes destas daqui a uns meses vão votar no próximo Presidente dos EUA, uma eleição que já confirmou um dos candidatos como a personagem mais demagógica, perigosa e maligna de que há memória. Esse não quer cavar um fosso, quer construir uma "great beautiful wall". Assistimos ao desabrochar de personagens saídas de caricaturas, que vociferam scripts que estávamos habituados a ver apenas nos filmes de Hollywood, nos documentários históricos sobre os regimes totalitaristas, do fascismo ao comunismo. Tudo isto temperado pelo ódio e medo religioso e racial. Eles são a nossa realidade e eles concentram cada vez mais força. Uma força bruta, que reage. E que não pensa. E o resto de nós assiste de camarote. Somos todos culpados pelo mundo que criamos e deixamos.

Um palerma que votou Leave neste referendo, hoje de manhã, em entrevista à BBC, revelou-se chocado com o resultado e diz que apenas votou Leave porque não sabia que o seu voto afinal contaria tanto, estava convencido que o Stay iria ganhar. São estas pessoas, entre a ignorância e a leviandade nos motivos, o medo e a xenofobia nas convicções, que estão a levar a nossa civilização para um abismo. Para uma desagregação política e social, para uma guerra mundial.

Neste momento já há uma petição para um novo referendo com tantas assinaturas online que o site colapsou. Acordaram para a consequência imediata da sua leviandade. Quem votou para ficar é mais novo, mais formado, mais consequente, em inversa proporção ao tempo de vida que terá de lidar com o RU fora da UE. E agora será a vez da Escócia e Irlanda do Norte retomarem a vertigem referendária. Para não falar das le Pen e outros que tais, cavalgando a demagogia da "democracia directa" e a conversa da "palavra ao povo". Todos a deixarem-se uns aos outros, a enfraquecer o todo na ilusão de se reforçarem a si próprios.

Que a União Europeia aprenda com este duro golpe a reforçar-se nos seus valores, na vontade de unir países e baixar barreiras. Antes disto, já a forma como lidou com a crise económica e, principalmente, a crise dos refugiados, mostrou a deriva moral e politica da Europa. Enquanto enfraquece, o resto do Mundo está mais perigoso e, sobretudo, mais poderoso. Precisamos mais que nunca de políticos líderes, com cabeça, com sentido de estado, não sentido de oportunidade. E para os termos, temos nós também de abandonar o estilo taxista de achar que os politicos são todos iguais e que tudo se resolve com um murro na mesa, com leituras dos problemas apelativas mas simplistas.

Não é um mundo de fossos, separações e muros que quero deixar aos meus filhos. Um mundo de medo, armas, guerra. 

Como disse Willy Brandt, "a Paz, tal como a Liberdade, não é um estado original de que tenhamos partido; temos de a construir sempre, no mais literal sentido da palavra". E só a temos há 70 anos. 

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