Estavam trinta e muitos graus. Eu tinha acabado de sair de um parque infantil com três crianças e um cão. Estava a morrer de sede e de calor. Sentámo-nos numa esplanada simpática. Só queríamos sombra e matar a sede. A menina da esplanada sugeriu um chá verde gelado e achei óptima ideia! Passado pouco tempo traz-me um frasco destes modernos a imitar antigo, onde servem bebidas bonitas. Um frasco tão grande que eu não conseguia segurar só com uma mão. Imaginei aquele frasco em tempos antigos numa prateleira de conservas com um quilo de beterraba às rodelas lá dentro.
O chá era delicioso! Não há dúvida! E bonito também. Trazia um pau de canela, uma casca de laranja, uma casca de limão e uma folha de hortelã. A palhinha também não era uma simples palhinha. Combinava na perfeição com aquela paleta de cores. Teria dado uma fotografia perfeita de Instagram!
E eu fiquei a olhar para o frasco... Eu tinha sede e tinha calor. Duas necessidades básicas que precisavam ser respondidas. Um simples copo alto de chá gelado com gelo tinha servido as minhas necessidades.
Todo aquele espectáculo de apresentação era um bónus. Bonito, é certo! Mas desnecessário. Eu precisava daquilo tudo? Não. Gostei? Claro que gostei! Todas as pessoas gostam de surpresas bonitas. Mas eu queria era matar a sede e, na realidade, aquele enorme frasco de chá era afinal o arquétipo da perfeição (citando Miguel Araújo) e servia para mostrar ao Mundo a sorte que eu tinha de estar numa bonita esplanada à sombra a beber uma bebida maravilhosa-trendy-hippy-boho-street-chic!
A vida é igual a um frasco de chá gelado! As pessoas preocupam-se demasiado com o tom da palhinha. Preocupam-se demasiado com a posição da folha de hortelã. Tudo isto para quê? Para mostrar ao Mundo. Perde-se mais tempo a mostrar ao Mundo do que a saborear. Ou a matar a sede!
O Amor já não é só amor, é amor com casca de laranja.
Os abraços já não proporcionam o reconforto de antigamente, são abraços com cardamomo.
Os beijos já não são só trocas de afectos, são beijos com sementes de chia.
E as conversas? É bom que venham com palhinhas de papel.
Se todos respondêssemos às necessidades na medida certa, se nos preocupássemos apenas com a entrega, com a espontaneidade, com o momento, não haveria expectativas demasiado altas. Não haveria códigos difíceis de decifrar. Nem tampouco haveria receio de errar. Porque era simplesmente aquilo! Chá e gelo! Matar a sede. Todos saberíamos quanto dar e quanto receber. Os tempos em que vivemos obrigam as pessoas a quererem sempre mais do que aquilo que precisam. (A maior parte das vezes porque viram o vizinho e querem igual) Quando na verdade, um simples copo de chá gelado com gelo nos serve perfeitamente.
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