Quando nos tornamos mães, de repente tornamo-nos também um pouco mães de todas as crianças que passam pelos nossos olhos ou ouvidos e às quais queremos "salvar". Podemos estar certas ou erradas, iludidas ou mais papistas que o Papa, mas quando não nos revemos no que está a acontecer com uma criança, o nosso instinto maternal protector impele-nos a agir: dizer que seria melhor fazer assim ou assado, puxar um bocadinho a manta para cima, ficar com o coração a sangrar porque não podemos salvar a vida ao menino que aparece na televisão. É assim o nosso julgamento, e apenas difere em que umas de nós julgam mais abertamente, outras menos. É um instinto de sobrevivência adaptado à maternidade.
Ao longo dos meus anos de maternidade aprendi a relativizar bastante este meu instinto. Ao ponto de agora, em muitas questões, apenas pensar "desde que não me obriguem a fazer assim, acho lindamente", é como vos der mais jeito... querem dormir juntos, durmam, querem fazer livre demanda, façam, querem adormecer na mama, adormeçam, querem furar as orelhas, furem, querem pôr-lhes colares de âmbar, ponham, querem deitá-los à uma da manhã, deitem. Apenas reviro uns olhos mentais, sorrio com solidariedade, desejo que tudo lhes corra pelo melhor e olho para o meu umbigo, que aqui também vai uma confusão dos diabos.
Mas há algumas coisas que ainda mexem muito com os meus botões, e acho que sempre vão mexer. Questões realmente fracturantes: este belo assuntinho, ou a vacinação, ou ainda, e cada vez mais, a obesidade infantil.
De cada vez que uma criança gorda passa por mim, eu fico revoltada, e cada vez mais. Eu fico com vontade de fuzilar pais que deixam os seus filhos chegar aos 5, 6, 10 anos já obesos. Mas obesos mesmo, não apenas com uns quilos a mais. Que não consigam ver que aquelas pernas gordas, aquela barriga disforme não são normais. Que eles não estão "a crescer", que não são mesmo assim, que não vão esticar, que aquilo não é gordurinha de bebé fofinho.* Aquela barriga que sai por baixo da t-shirt, as pernas que saltam das costuras dos calções são obesidade e são uma doença.
E a culpa é dos pais, é deles, pois são eles quem compra a comida lá para casa, são eles quem determina a alimentação dos seus filhos e são eles que não tomam uma atitude. A culpa é toda deles. Não há birra que lhes sirva de bode expiatório, descuido que lhes valha, nem filtro cor de rosa que lhes tolde a visão do filho com uma silhueta alargada. Está mais que à vista, não há como negar que não se dá conta que uma criança tenha peso a mais. Não há desculpa possível!* (novamente o * , não me lixem!).
Tal como não há forma de dizer que não faz mal ou que é uma opção. Não pode ser um estilo parental uma alimentação desequilibrada, feita de gorduras, açúcares e excessos. Não pode haver cedência ou negligência ou até desconhecimento que diminua a culpa dos pais (ou da família que cuida, que alimenta, sejam eles quem forem), não hoje em dia. Não quando está marcado no corpo que está à nossa frente. Não com reportagens destas a entrar nas nossas casas em prime time, não com o mínimo de bom senso que deve fazer parte do nosso cerebrozinho. Há muita ignorância, sem dúvida, aquela mesma reportagem deixou-me chocada com a ignorância revelada por algumas daquelas pessoas. E essa infelizmente é a norma, por isso é que a obesidade infantil é na esmagadora maioria dos casos reflexo directo da obesidade dos pais. Não há coincidências.
Que os adultos se alimentem como se fossem caixotes do lixo, é lá com eles, mas que arrastem os seus filhos nisto, é criminoso. E eu julgo esse atentado à saúde e vida da criança vítima desse abuso. Vítima de pais fracos, ignorantes, negligentes. Fico doida, não aguento.
Porque no fundo, as pessoas sabem melhor do que o que fazem. Há uns anos partilhei um estudo (vou ter de o repescar) que demonstrou que nos primeiros 18 meses de vida dos bebés os índices de gordura e a alimentação são perfeitamente normais, se não exemplares. O cuidado com a amamentação, os leites adaptados, as sopinhas passadas, a introdução regrada dos alimentos, tudo corre sobre rodas. O problema muitas vezes surge quando passam a fazer a alimentação da família. É quando se juntam à manada, que "nesta casa todos comemos igual!" Igualmente mal!
"A menina tem sempre fome...", "Ele não para de comer, eu cá estou sempre a dizer para não comer", "Eu não sei o que fazer, não sei de onde isto surgiu...", "ele é mesmo assim, sempre foi", "ela até nem come muito, deve ter o metabolismo lento, como eu!" Desculpas, desculpas, desculpas. Depois, quando já é tarde, preocupam-se com a dieta radical, com um remédio milagroso, com uma solução rápida, mas não se preocupam com o regime alimentar base, com o simples corte em sal, açúcar, gorduras, fritos. Nem falo em introduzir alimentos integrais, orgânicos, pensar num regime alimentar cuidado. Não é preciso ir tão longe, que isso dá nós cegos em cabeças simples. Basta cortar no mal e ficar com o bom. Boa?
Toda a comida que entra na nossa boca vai fazer uma de duas coisas: ou vai contribuir para a nossa saúde, ou vai contribuir para a nossa doença. É uma constante na nossa vida. É um jogo, tem um jogador e a ele cabe-lhe apenas garantir uma coisa para estar sempre a ganhar: que os pratos da balança estão sempre a pender para o lado "alimentos que contribuem para a saúde". Quando temos filhos, juntamos mais uns players ao nosso jogo, pelos quais somos absolutamente responsáveis.
Quantas batatas fritas tem de comer uma criança de cinco anos para ficar gorda? Quantas idas ao Mac tem de fazer para ganhar aquela pança? Quantos quilos de açúcar consegue emborcar numa semana? Num dia? Quantas horas tem uma criança de passar plantada em frente a um ecrã para perder o fôlego ao fundo da rua? É o que me passa pela cabeça quando passo por uma criança obesa e não aguento imaginar a resposta.
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* Claro que há crianças com problemas da tiróide, ou que andam a tomar corticóides ou que têm qualquer outra condição médica que os faz ganhar peso, sem que seja resultado directo da má alimentação. Mas esta felizmente é uma percentagem reduzidíssima de crianças que têm excesso de peso, e têm-no por efeitos secundários de doenças incontroláveis, infelizmente apenas se pode esperar e lutar para que melhorem e que esse efeito secundário se vá com a doença primária. Não é o caso da esmagadora maioria dos obesos com que nos cruzamos na rua, não me lixem.
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